sexta-feira, 19 de julho de 2019

TRABALHO APRESENTADO PELO IRMÃO DAVID ARAÚJO JUNIOR

A PEDRA BRUTA



IR.'. DAVID ARAÚJO JUNIOR




 Entre os símbolos presentes no painel de aprendiz maçon o da pedra bruta tem lugar de destaque. Trabalhar a pedra bruta é a primeira tarefa do aprendiz, aquela no qual se esforçará até obter seu primeiro aumento de salário. Chamamos pedra bruta àquela na qual não houve trabalho de desbaste, de entalhe ou de polimento. Tal qual saiu da natureza, submetida às forças aleatórias que se manifestaram sem coerência e sem planejamento. Milênios de deposição de sedimentos, de pressões impensáveis e de deslocamentos fizeram com que ela tivesse sua forma irregular, cheia de arestas e cantos vivos, difícil de ser empregada em tarefas nobres de construção como acabamento, paredes regulares, abóbadas, arcos e pisos. Sua forma e utilidade tipificam o aprendiz maçon e sua condição ao entrar a ordem e receber a luz pela primeira vez.
Submetido às pressões ele amoldou-se ao solo que o recebeu, à sociedade onde vive, com todos os seus paradoxos e vícios. Sua constituição desenvolveu-se pela deposição de ideias e crenças que vieram por todos os lados, sem o filtro da sabedoria dos antigos e sem os milênios de reflexão que levaram a Ordem ao seu estado atual. Foi portanto em um ambiente povoado de superstições, cheio de preconceitos, obstruído pela ignorância, que o aprendiz moveu-se durante sua vida, lutando da melhor maneira para aceitar e ser aceito.

 A partir do momento que recebe a luz, recebe também o malho e o cinzel para polir seu caráter e suas convicções, simbolizado pela pedra, onde deverá colocar todo seu talento e artesania, erguendo templos à virtude e cavando masmorras aos vícios, os seus próprios.
 Michelângelo, o artista do Renascimento, dizia que via em cada pedra bruta a figura de beleza que nela habitava. Que seu único trabalho e maestria era retirála e separá-la das aparas de pedra que a impediam de manifestar-se em toda sua beleza. Devemos ter nossos olhos voltados para a perfeição, para a pedra que desejamos ser, como o artista olha a pedra e vê a escultura em seu interior.
 No livro do Êxodo, capítulo 20, verso 25, diz que os hebreus deveriam construir seus altares de pedras não lavradas, pois o buril as profanaria e elas já não seriam santas.

 Aí entramos na definição de que estas pedras deveriam ser cuidadosamente escolhidas para que se coaptassem perfeitamente, sem necessidade de cinzel e malho. Pedras santas, saídas da natureza sem defeitos, sem a intervenção do homem. Tipificam os homens santos, aqueles que resistindo às pressões e à deposição dos sedimentos, mantiveram-se sábios e úteis ao serviço de Deus.
 Nós maçons não somos santos. Viemos de um mundo que nos moldou à sua semelhança e precisamos construir um mundo ideal, divino, desbastando nossas imperfeições e olhando para o alto. Como dizia meu avô José Araújo, maçon convicto e modelo, em uma frase que povou minha infância: "a Maçonaria é perfeita, os maçons não".
 No capítulo 4 do livro de Josué a Bíblia nos fala da ordem recebida pelos judeus de escolher doze pedras, cada uma simbolizando uma das tribos de Israel, para que erguessem um monumento em memória à sua passagem pelo rio Jordão.


A pedra foi escolhida por ser permanente, duradoura, sólida. O monumento erguido serviria para mostrar às gerações vindouras o cuidade de Deus durante a travessia do Jordão. A pedra é símbolo de solidez, permanência, durabilidade. Tal qual o que se espera do maçon em sua busca da perfeição. O primeiro livro de Reis (capítulo 7, verso 10) nos conta que o Templo do Senhor erguido por Salomão teve seus fundamentos feitos de pedras escolhidas, separadas, adequadas. Podemos afirmar, sem sombra de dúvida, que toda a vida da Terra originou-se a partir das pedras. Os elementos constitutivos da vida encontram-se amalgamados nas pedras que compõe a camada mais superficial do globo, a litosfera (Litos = pedra).

 As plantas, que são a base da pirâmide alimentar, precisam fixar-se à terra, que não é nada mais que partículas de pedras solapadas pelos elementos das rochas primordiais. A utilização da pedra marca a transição da civilização humana de seu caráter nômade para a vida de comunidade fixa, permanente.
 Os seres humanos já dominavam os princípios rudimentares da agricultura e da pecuária, mas mantinham-se nômades, passando de um lugar a outro na medida em que os recursos da região tornavam-se escassos. No momento em que aprendeu a dominar a natureza e controlar seus ciclos, o homem começou a edificar em pedra, permanente e sólida, estabelecendo-se na terra como seu senhor. Já não temia os ventos, as tempestades, as enchentes e a seca. Podia abrigar-se do frio e do calor, armazenar água para seu sustento e de seus animais, e para irrigar suas terras.

 O homem primeiro dominou a pedra, moldando-a a suas necessidades (pedra lascada), fazendo ferramentas primitivas. O próximo passo foi aprender a desgastá-la e fazer com ela vasos, ferramentas e armas (pedra polida). A idade da pedra durou de 30.000 a 3.000 AC. Finalmente aprendeu a manipular os metais e adaptá-los a suas necessidades (idade dos metais). Era o início da Ciência. A pedra mudou a história. Os documentos antigos, como as tabuletas dos sumérios, eram escritos em pedra, pela sua permanência. 
Os dez mandamentos dados a Moisés foram talhados em pedra, para que não se perdessem.

 Jacó tomou uma pedra a e erigiu em estrela, derramando sobre ela o óleo, a fim de marcar o lugar onde repousara sua cabeça após a visão da escada (Gênesis capítulo 28). Tomando ainda a figura da permanência e da solidez, Pedro, que era Cefas, foi chamado de pedra sobre a qual seria erigida a Igreja. Não a Igreja visível, humana e falível, mas a Igreja Invisível, composta por todos aqueles que seguem os passos do Cristo.
 Na primeira carta de Pedro, no capítulo 2, a pedra angular, que erige a Igreja, é preciosa para os que a reconhecem, mas é pedra de tropeço para aqueles que não entendem sua importância. A sabedoria sem conhecimento é inútil, o conhecimento sem a sabedoria é perigoso, fonte de divisão, conflito e tropeço.


 Jesus Cristo é a pedra angular, a pedra que sustenta a abóbada, a pedra principal na grande estrutura
do cristianismo. No entanto, foi rejeitada pelos construtores que não viram seu valor até que fosse tarde demais. 
 Para os muçulmanos a pedra mais preciosa é a que está na Caaba, em Meca. Vinda do céu como um meteoro está preservada e é fonte de devoção para os peregrinos que a vêm como símbolo da deidade e da permanência de Deus. Todo muçulmano deve fazer pelo menos uma peregrinação a Meca durante sua vida para atingir a plenitude da salvação. 

Os judeus ainda hoje depositam pedras no túmulo de seus queridos, como símbolo de sua devoção a eles e da sua eterna memória. Os cemitérios judeus não têm flores, impermanentes, perecíveis e instáveis. Lá vemos pedras, símbolos da força da memória. Um importante arqueólogo certa vez observou que nossa civilização deverá passar e os únicos registros que os nossos futuros descendentes poderão decifrar são aqueles escritos na pedra. O papel, se não conservado adequadamente, se desmanchará. Os meios digitais só serão lidos se preservados em mídias duráveis. O que "postamos" nas redes sociais irá perecer. 

A pedra de Roseta, encontrada por Napoleão no Egito, foi a chave para decodificar os hieróglifos.. Durante uma de suas expedições (1799), em Roseta (Rashid) encontrou uma pedra onde estavam gravadas mensagens em grego, demótico e hieróglifos. Eram as três línguas utilizadas na época de sua lavradura (196 AC) e que permitiram que sacerdotes (hieróglifos), governantes (grego) e o povo (demótico) pudessem entender os escritos. Isto permitiu por comparação a tradução dos símbolos antigos do Egito. Em 1822, Jean-François Champolion decifrou os hieroglifos (hieros = sagrado; glifo = escrita). Podemos traçar analogias entre a pedra bruta e os conhecimentos maçônicos, que nos fazem recordar as qualidades do maçon ideal. A pedra para ser utilizada deve ser desbastada e esquadrejada. Isto quer dizer que ela deve ser moldada a um formato cúbico ou de paralelepípedo (esquadrejada), de fácil assentamento e que amolda-se mais facilmente às outras pedras da estrutura, sem deixar falhas e com o uso do mínimo possível de argamassa. A pedra bruta necessita uma grande quantidade de argamassa para adaptar-se às imperfeições das demais. Quanto mais imperfeitas, mais argamassa. Assim o aprendiz maçon, para adaptar-se ao seu lugar no edifício da Maçonaria precisa da argamassa de suporte para preencher suas falhas. A argamassa é feita dos restos tirados das demais pedras, triturados e adicionados de um adesivo (cimento). Aquilo que se rejeita de outras pedras serve de argamassa para o assentamento das novas. É um processo de reciclagem da sabedoria, de renovação de valores, de busca de perfeição. 
Na figura da romã vemos a perfeição da natureza. Os gomos da romã nascem juntos e as faces de um se amoldam perfeitamente às faces do outro, sem falhas e sem necessidade de polimento. 

Os maçons, humanos e falíveis, querem tornar-se favos da romã, adequando-se justa e perfeitamente ao outro. O assentamento das pedras é a tolerância. A maneira como vemos a falha do outro e nos adaptamos a ela para o bem do edifício maior que é a humanidade. Não há construção sólida sem tolerância. Não há construção sólida sem o trabalho de adaptar as pedras umas às outras. Não há construção sem a argamassa feita dos restolhos de pedra que deixamos pelo caminho. Não há como desprezá-los. É preciso torná-los úteis na construção de nossas catedrais e templos à virtude.



 A.:M.:David Araújo Júnior
 Peça de Arquitetura apresentada à ARLS Edson Alves 4604.

Imagens da Internet


 Referências: - Bíblia Sagrada na tradução de João Ferreira de Almeida. - 
C.A.R. Andrews, The Rosetta Stone (London, The British Museum Press, 1982). - 
C.A.R. Andrews and S. Quirke, The Rosetta Stone: facsimile drawing (London, The British Museum Press, 1988).
 The British Museum blog. - 
Ancient History Encyclopedia - em ancient.eu -
 Antônio José Botelho - O significado da pedra bruta - Peça apresentada no G.: O.: de Manaus em 1991. - 
Geraldo Batista de Camargos - A Pedra Bruta e suas aplicações filosóficas - em maçonaria.net - 17 de agosto de 2013. - 
Pedra Bruta - Em Dicionário de Símbolos - dicionariodesimbolos.com.br

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